Lembro-me de como meus olhos brilhavam quando eu entrava em
uma seção de brinquedos de alguma loja, era algo inexplicável. Mas a plaquinha
lá em cima logo cortava parte da minha euforia. O motivo? Os brinquedos dos “meninos”
eram bem mais interessantes pra mim. Mas ora essa! Eu aprendi com papai e mamãe que menina
brinca de boneca e casinha e o resto é coisa de menino. E ainda tinha aquela velha conversa de que
menina não deveria brincar com menino porque as brincadeiras deles eram mais “pesadas”.
Pois é, jogar bola de gude, rodar pião, fazer um gol, bater um carrinho no
outro e imitar os Power Ranges, tudo isso era brincadeira da “pesada” e eu
tinha que me conformar em fazer chazinho pra minha filha, ops, boneca que,
certo dia, sem quê nem pra quê, resolvi enchê-la de pintinhas coloridas e disse
que a mesma estava com catapora. Não que eu não gostasse de brincar de casinha
e essas coisas que a maioria das meninas brincou na infância. Mas se resumir
apenas a isso não era algo que eu pretendia.
Quando você convive
com homens - além de seu pai - em casa, é que a coisa piora de verdade. Você
escuta que tem que aprender desde cedo a fazer as tarefas de casa como lavar
suas roupas, varrer a casa, lavar a louça, fazer comida e ser uma garota
organizada, caso contrário, ninguém vai “te querer”. Mas lá está seu irmão, seu
primo, seu tio, seu pai... Todos com mãos, braços e pernas, com a mesma
condição que você tem para realizar qualquer tarefa doméstica. E o que custaria
a eles ao menos dividir essas tarefas com você? Sua masculinidade. E não
adianta você fazer bico ou bater o pé, vem sempre aquela história da prima do
interior “ah, mas a sua prima do interior varre todo aquele quintal e ainda faz
o almoço de casa, tudo isso desde os 9 anos”.
A prima do interior, me servindo sempre como exemplo... A prima do
interior, que começou a aprender desde cedo que as únicas coisas que bastam pra
ela é varrer a casa, fazer o almoço e arrumar um marido antes dos 18. A prima
do interior que, muitas vezes, fora abusada, explorada ou até humilhada. A
prima do interior, que amadurece rápido e ao mesmo tempo se prende à ignorância
da sociedade. A prima do interior, que passa a semana esperando seu marido
chegar em casa, quase sempre com aquele cheiro forte de bebida, rezando para que
durma antes de querer alguma coisa. A
prima do interior, que não tem sonhos, que não pode fazer planos. A – pobre –
prima do interior que tanto querem que sejamos.
Mas, para minha/nossa
felicidade, existem as exceções, digo, homens e mulheres que não vivem à sombra
da “prima do interior”. Homens seguros que sabem que sua masculinidade não será
colocada a risco se tomarem certa posição na sociedade. Mulheres, que ao invés
de se conformarem, mostram que têm voz e gritam!
Tenho orgulho de dizer que sou filha de um homem que nunca
me impediu de ralar os joelhos jogando bola na rua com os meninos. Um homem
que, até hoje, ainda ponteia minhas roupas folgadas, faz uma ótima lasanha, panquecas
e uma omelete com uma carinha feita com ketchup e maionese (que eu chamava de
mini pizza). Minha madrasta uma vez me contou que todas as comidas deliciosas,
desde massas à sobremesas, foi ele quem a ensinou a fazer. E, entre tantas famílias “tradicionais”,
sinto-me privilegiada em poder compartilhar com meu pai, assim como também com minha mãe, os meus pensamentos “livres”.
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